por Rita
A Rita aluna não era o que convencionalmente chamamos de boa aluna, mas não era má. Era a aluna que tinha boas notas em matérias que gostava e que lhe saíam naturalmente e medíocre nas restantes. Frustrava-me? sim! Mas frustrava-me não porque não tinha “boas” notas, mas porque para não ter más notas tinha que estudar muito! Estas horas passadas a estudar foram com toda a certeza uma das fases mais frustrantes do meu percurso, foram horas e horas sofridas. Horas a chorar e a questionar-me porque não conseguia ter os mesmos resultados facilmente obtidos nas outras disciplinas e a ter diariamente batalhas internas a questionar-me se o meu percurso escolar iria ser sempre assim.
Foi assim que desde muito nova soube que não queria estar nesta situação de sofrimento por notas, não queria estar à mercê das notas e não via sentido em estudar até à exaustão matérias que em pouco tempo deixavam de ser relevantes. Acreditava que na primeira oportunidade que tivesse, não me apanhavam a estudar mais, principalmente assuntos que não queria.
Infelizmente, quando chegou o momento, não ouvi o meu inner child e estudei para além do que sabia que queria.
Nunca tive a ambição de ser a aluna “perfeita”, nem muito menos tive a pressão de corresponder a expectativas que não as minhas; eu era o que era e sou feliz assim. Fazia sempre o meu melhor e se isso não correspondia a ter notas altas, era porque não era para ser.
Obviamente que tentei de tudo, técnicas de estudo diferente, incentivos, estudar com os meus pais, etc. Mas a realidade era que eu não tinha a aptidão que correspondia a ter notas altas no sistema educativo convencional. E não me sentia mal com esse facto, pois a minha ambição e intenção como criança não era ter notas altas.
Quando mudei de país, a alteração de paradigma foi brutal! Notei imediatamente a pressão constante e subtil que os miúdos sentem em ter notas altas durante todo o percurso escolar, como se isso estivesse diretamente associado ao seu valor como pessoa. Eram colocadas sobre pressões definidoras desde cedo, como escolher perfil científico escolar aos 14 anos que automaticamente decidiria grande parte do seu futuro académico e apresentar-se o percurso académico como a única opção válida após o secundário. A pressão não tinha fim.
Fiz 10 anos do meu percurso académico em Portugal e foram raros os momentos felizes passados na faculdade como aluna. Frustração, infelicidade e indecisão são as palavras que descreveriam o que os meus colegas sentiam como alunos e os meus professores como educadores.
Colegas que sofriam porque tinham “insucesso” escolar mesmo passando horas a fim a estudar, a sair tarde da escola, dinheiro gasto em anos de explicação, pais frustrados e humilhados, tudo para se encaixarem num modelo pré-definido muitos anos antes, onde o acesso à escola era a distinção entre ser uma pessoa de sucesso ou não, que nunca foi alterado ou adaptado à realidade atual. Somos todos cúmplices de perpetuar estas ideias e comportamentos, valorizamos mais a hipótese de sucesso “garantido” do que incentivamos as crianças e jovens a descobrirem quem são e o que gostam de fazer.
Ouvi recentemente o Gary Vaynerchuck (empreendedor) dizer que “cada pai está a julgar o seu filho de acordo com as normas da sociedade de ontem (referindo ao tempo deles quando jovens), mas os teus filhos estão a viver na realidade do hoje, que é um melhor indicador do amanhã que irão enfrentar”. Nem é uma questão de cometer os erros do passado, é uma questão de evolução, uma questão de uma sociedade em constante alteração. Não podemos aplicar as mesmas normas e convenções que aplicámos há 15 anos.
Quando mudei de país, a alteração de paradigma foi brutal! Notei imediatamente a pressão constante e subtil que os miúdos sentiam em ter notas altíssimas durante todo o percurso escolar…
O meu pai é psicólogo, nomeadamente psicólogo de desenvolvimento infantil centrado num contexto escolar. As nossas conversas de mesa de jantar a crescer eram praticamente todas sobre casos que ele seguia. Discutia connosco a razão pela qual a criança e a família estavam no psicólogo, o diagnóstico a que tinha chegado e por fim, o tratamento que ele propunha fazer (faço notar, que nunca entrava em pormenores pessoais, nomes etc – sempre manteve o sigilo profissional). Com ele aprendi lições sobre ser criança e principalmente ser aluno, que me acompanharam no meu percurso escolar e até hoje, já não sendo estudante. Estes “mantras” foram-me enraizados e consequentemente solidificados pela escola tanto através do bom como do mau exemplo e foram essenciais em momentos duros, em momentos de decisão e em momentos de questionar o meu valor como pessoa.
A criança nunca tem culpa. A criança é suficiente. A criança não é um caso perdido.
E com estas lições diárias à volta da mesa de jantar, sabia o que muitos que aqui estão a ler podem considerar ser metas de mediocridade, mas eu considero ser características que me distinguem e que me deram liberdade tanto de expectativas (minhas e de outros) como de pressões sociais. Deram-me a liberdade de descobrir quem sou, quem quero ser e o que quero do meu futuro sem me sentir limitada e pressionada.
A importância de dissociar a aptidão escolar do valor pessoal é garantidamente uma das missões mais importantes que pais e professores possam ter. Há valores, morais, aptidões de vida e muito mais que simplesmente não se aprende em livros e que se não forem adquiridos na infância, terão um real impacto na pessoa em adulto.
Ser bom aluno, na minha experiência, não é uma qualidade, ser boa pessoa é. Ter boas notas não é uma qualidade, ter ambição e saber como atingir objetivos é. Saber cuidar de mim mesma e ter ética de trabalho é uma qualidade, conseguir o emprego “prestigiado” na consultora em voga, não é. Ser “mau” aluno não é dizer que és um falhado e decididamente não quer dizer que não vais ter a vida que imaginas ou mereces.
Estamos numa era onde finalmente aceitamos e incentivamos a individualidade e diversidade do corpo, das ideias e da expressão, mas ainda sentimos a necessidade de nos restringirmos no conceito de educação como também na noção de sucesso. A ideia que todos temos que prosperar como um conjunto, ignorando a individualidade de cada um num só sistema de educação é simplesmente rejeitar o que esta geração está tão empenhada em mudar. Somos todos seres individuais a tentar vingar numa escola onde só existe uma maneira de ser um “bom” aluno. Porquê?
Nesta ode que escrevo a todos os alunos que se consideram como “maus” alunos, e a todos os pais que têm filhos nesta situação e que não se conformam em achar que o filho é “mau” aluno, não vos minto a dizer que em Portugal o percurso é difícil, mas em casa é onde podem fazer a diferença. Irão encontrar muita resistência e terão que encontrar conforto mútuo quanto às vossas convicções e convencerem-se que vocês são mais do que as vossas notas, vocês são mais do que o vosso percurso académico. Digo isto como uma antiga “má-aluna” licenciada em economia e pós-graduada noutra área, e que se tivesse ouvido o seu inner-child teria feito muito diferente, e do meu pai auto-intitulado como “mau aluno”, psicólogo de sucesso.
As vossas convicções, ambições, perseverança e individualidade é o que vos vai tornar numa pessoa de sucesso, não as vossas notas.