por Sara

Há crianças que adoram falar à frente da turma ou que participam de boa vontade nas discussões e brincadeiras de grupo. Mas também há aquelas crianças que não levantam a mão mesmo quando sabem a resposta ou para quem falar em frente da turma é o seu pior pesadelo.

Estas últimas crianças são tímidas, pois, apesar de desejarem interação social, inibem-se por essas interações serem, para elas, fontes de stress.

Não se deve confundir uma criança tímida com uma criança introvertida que simplesmente gosta de passar tempo sozinho, mas que em situações sociais não se sente stressada.

A timidez por si só não é uma coisa má. Como sociedade beneficiamos de ter indivíduos mais cautelosos do que outros. No entanto, a timidez tem várias desvantagens. Crianças mais tímidas tendem a brincar menos com outras crianças, o que é mau para o seu desenvolvimento social e para as suas competências de comunicação, uma vez que as crianças aprendem uns com os outros como se comportar em contexto social. Crianças tímidas também têm mais probabilidade de ter experiências negativas quando estão com outras crianças. Podem ser consideradas pouco simpáticas, não interessadas em brincar e até podem ser alvos de bullying, pelo seu comportamento ser incompreendido pelos outros.

No entanto, o maior risco que uma criança tímida corre, é o de desenvolver ansiedade, mais precisamente ansiedade social. De acordo com a associação americana de psicologia, 30% a 40% das crianças tímidas desenvolvem ansiedade social, o que significa um risco quatro vezes superior às outras crianças.

A ansiedade social é uma perturbação do âmbito da saúde mental, em que a criança ou o adolescente (ou o adulto) desenvolve uma autoconsciência excessiva.

Na pré-adolescência e na adolescência começa-se a ter mais consciência do que as outras pessoas pensam de nós e passa a haver coisas “certas” a fazer, ter e vestir e coisas que não se “deve” fazer ou que podem ser embaraçosas. A ansiedade social surge quando existe uma preocupação excessiva e persistente (no mínimo 6 meses) sobre o que os outros acham ou podem pensar sobre nós, ao ponto de se deixar de fazer coisas que se precisa ou quer, por medo de se envergonhar ou de que os outros o vão julgar, rejeitar ou ridicularizar.

Ao contrário disso, a timidez é algo que, com a familiaridade da situação e das pessoas, se vai dissipando. As crianças tímidas podem ser impedidas pela sua timidez até certo ponto, mas ela não lhe causa transtornos significativos na sua capacidade de funcionar na escola, de funcionar com outras crianças ou adolescentes da mesma idade, de ter amigos e uma vida social saudável. Uma criança ou um adolescente com ansiedade social é completamente afetada pelo nível intenso de stress que sente.

Eu fui uma criança e uma adolescente com ansiedade social e hoje em dia sou uma adulta que continua a tentar gerir a sua ansiedade social. O tipo de situações que provoca a ansiedade é diferente de pessoa para pessoa. Para mim, eram situações como falar ou fazer algo à frente de um grupo de pessoas, como uma sala de aulas ou uma reunião de trabalho. Era querer ir a uma festa ou fazer uma atividade extracurricular e não ir porque tinha medo que as pessoas fossem olhar para mim, acharem que era horrível ou questionarem-se porque estava ali. Era ter dúvidas na escola, na faculdade ou no trabalho e não perguntar nada com receio de parecer burra. Era fazer coisas que não queria, só para não ter que dizer que não ou provocar uma cena, ou correr o risco da pessoa deixar de gostar de mim ou querer ser minha amiga.

Posso enumerar dezenas de outras situações que me provocavam pensamentos de pânico e que me levam a tentar arranjar estratégias para evitar de qualquer forma a situação, Manifestações físicas como o ritmo cardíaco acelerado, pressão no peito, suores, dores de barriga e dificuldade em respirar eram muito comuns. Tal como as situações que provocam a ansiedade social são diferentes para cada criança e adolescente a forma como se manifestam também é. Há crianças que têm ataques de pânico, mas também há crianças que se tornam agressivas ou ficam muito zangadas. O que é importante salientar, é que muitas destas manifestações acontecem fora de vista das outras pessoas. Primeiro, porque são pensamentos e manifestações normalmente internas. E depois, porque uma criança socialmente ansiosa vai tentar, tudo por tudo, para não mostrar o que se passa para não provocar uma situação embaraçosa. Ou seja, reconhecer a ansiedade, especialmente na fase inicial, é uma tarefa complicada para os pais e requer um olhar atento e informado.

De acordo com a associação americana de psicologia, 30% a 40% das crianças tímidas desenvolvem ansiedade social, o que significa um risco quatro vezes superior às outras crianças.

Eu sei o que é crescer e viver como adulta com ansiedade social. É uma experiência solitária, dolorosa e que pode despoletar muitos outros problemas, como depressão, ansiedade generalizada, utilização de vários meios (alimentação, álcool e outras substâncias) para tentar acalmar o sistema nervoso e uma dificuldade enorme de alcançar e conquistar fases importantes na vida de uma pessoa.

Por isso, e numa ótica de ajudar outras crianças e adolescentes a serem indivíduos mais felizes, de serem capazes de brincar e estar com os outros de forma mais despreocupada, partilho algumas das minhas aprendizagens convosco.

Evitar não resulta.

Pais preocupados com os filhos tímidos podem querer tirar, ou até não colocar, a sua criança numa situação que os torna desconfortáveis. No entanto, todos temos que aprender a lidar com situações desconfortáveis e aprender a gerir emoções desagradáveis. Quando os pais são demasiados protetores, as crianças não têm oportunidade de aprender estas coisas nem lhes é dado a chance de aprender a regular a sua timidez.

O equilíbrio pode ser encontrado ao reconhecer e mostrar compreensão pela emoção da criança ao mesmo tempo que se demonstra confiança na criança e na sua capacidade de lidar com a situação, assegurando o apoio, no caso de ela precisar. Deixar que a criança dê pequenos passos sozinha, acompanhada de um olhar atento da mãe ou do pai, é uma ótima forma de permitir à criança regular a timidez e de, ao mesmo tempo, construir autoconfiança.

Quanto mais evitamos as situações e emoções desagradáveis, mais se torna um hábito e esse hábito poderá levar a cada vez mais isolamento, o que por sua vez, vai criar mais ansiedade.

Atenção com a linguagem

Em muitos casos, as crianças e os adolescentes não têm o vocabulário necessário para expressar exatamente o que estão a sentir ou a dificuldade que têm no seu dia a dia. Também é possível que achem que é normal o que estão a sentir e que todas as pessoas têm a mesma experiência só que lidam melhor com ela. E há muitos que não dizem nada para não mostrar que não são capazes.

Eu só em adulta descobri que sofria de ansiedade social e, em grande parte, esse diagnóstico tardio não chegou antes porque eu não sabia que muitas coisas que sentia não eram normais. No entanto, existem coisas que as crianças e os adolescentes socialmente ansiosos dizem que “expressam” a sua ansiedade e que podem ser boas indicações para pais e professores.

Exemplo disso são frases como: “E se eu fizer má figura?”, “E se eu disser a coisa errada?”, “E se os outros se riem de mim?”, ou “E se eu ficar envergonhada?”. Mas há muitas mais.

Comportamentos

Crianças e adolescentes com ansiedade social preocupam-se em demasia sobre o que os outros acham e sobre situações que lhe provocam ansiedade. Uma consequência disso é que pensam demasiado sobre as situações e todas as suas potenciais variantes e consequências. Criamos autênticos filmes de Hollywood! Isso faz com que podem manifestar comportamentos como por exemplo, choro, dores de barriga, explosões emocionais ou exatamente o oposto, como o isolamento.

Em muitos casos, não só quando são confrontados com a situação, mas dias ou até semanas antes.

Crianças e adolescentes com ansiedade social preocupam-se em demasia sobre o que os outros acham e sobre situações que lhe provocam ansiedade.

O sofrimento por antecipação é muito, muito comum em pessoas socialmente ansiosas. Um olhar atento pode apanhar esta ligação entre a “situação” e os comportamentos.

Pedir ajuda cedo

Infelizmente, a ansiedade social não desaparece com o tempo. A ansiedade social é uma perturbação que aumenta cada vez mais e com o passar do tempo cria cada vez mais problemas.

Ao contrário do que se pode pensar, a ansiedade social é muito comum. Só nos Estados Unidos a ansiedade social afeta 15 milhões de adultos (6,8% da população), afeta de igual forma homens e mulheres e 75% dessas pessoas dizem ter tido os primeiros sintomas entre os 8 e os 15 anos de idade.

O tempo médio entre os primeiros sintomas e um pedido de ajuda é de 10 anos. Eu, por exemplo, demorei 20 anos a chegar ao meu limite, a desesperar emocionalmente e fisicamente em silêncio, sem saber o que fazer.

Ou seja, se desconfiam que a criança ou o adolescente aí em casa não está bem, está com dificuldade ou em sofrimento, peçam ajuda ou uma opinião especializada. Se vamos ao médico porque temos dor no pé, vamos lá normalizar também que devemos ir ao médico ou ao psicólogo quando estamos com uma dor ou dificuldade emocional.

É algo normal, todos nalgum momento da nossa vida vamos sofrer de algum problema de saúde mental para o qual precisamos de ajuda. As crianças não são exceção a essa necessidade de apoio especializado.

O tratamento para ansiedade social é terapia cognitiva comportamental que consiste em modificar os nossos padrões de pensamento, porque são esses que determinam a forma como agimos e nos sentimos. Na prática, isto quer dizer, ajudar a identificar os nossos pensamentos que despolotam a ansiedade, analisá-los de forma crítica para compreendermos que é irracional, substituir esses pensamentos por outros e experimentar, de forma faseada, situações seguras de ansiedade para por em praticar os “novos” pensamentos.

É um trabalho de consistência e exposição faseada que vai ajudar a diminuir diálogos internos ansiosos de forma a construir autoconfiança. A criança ou o adolescente vai se acostumando ao trigger e aprende a geri-lo. Pouco a pouco, a ansiedade vai diminuindo.

A minha experiência diz-me que quanto mais cedo identificamos e modificamos os nossos pensamentos ansiosos, mais fácil e mais rápido é resolvida a ansiedade social. Quanto mais tempo deixamos as narrativas ansiosas existir, mais existe para desconstruir, modificar e mais vida passou sem aproveitar.